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Jogo Real de Ur

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Jogo Real de Ur
Jogo Real de Ur
Um dos cinco tabuleiros encontrados por Leonard Woolley no Cemitério Real de Ur, agora no acervo do Museu Britânico (1928-1009-378)[1]
Anos ativo Os primeiros tabuleiros datam do século XXVI ao XXIV a.C., durante o Período Dinástico Arcaico, sendo jogado de maneira popular durante a Antiguidade Tardia e em Cochim até a década de 1950.
N.º de jogadores 2
Tempo de montagem 10 a 30 segundos
Tempo de jogo Geralmente cerca de 30 minutos
Influência da sorte Média (uso de dados)
Habilidades Estratégia, tática, contagem, probabilidade.
BoardGameGeek Jogo Real de Urno BoardGameGeek

O Jogo Real de Ur é um jogo de tabuleiro para dois jogadores, de corrida e estratégia, que foi primeiramente jogado na Mesopotâmia, durante o início do terceiro milênio a.C. Era popular no Oriente Médio, entre todas as classes sociais. Tabuleiros foram encontrados em lugares distantes de sua criação, como Creta e Sri Lanka. No ápice de sua popularidade, adquiriu significância espiritual, pois havia a crença de que eventos do jogo refletiam no futuro do jogador e continham mensagens de deidades ou outras entidades sobrenaturais. Manteve-se popular até a Antiguidade Tardia, quando deixou de ser jogado, possivelmente evoluindo ou sendo substituído pelas formas iniciais do gamão. Consequentemente, foi esquecido em geral, exceto por pessoas da comunidade judaica da cidade indiana de Cochim, que continuaram jogando uma variante do original, até a década de 1950, quando começaram a emigrar para Israel.

O Jogo Real de Ur recebeu este nome porque foi primeiramente descoberto pelo arqueólogo inglês Leonard Woolley, durante suas escavações no Cemitério Real de Ur, entre 1922 e 1934. Outros exemplares desde então foram encontrados por outros arqueólogos no Oriente Médio. As regras do Jogo Real de Ur, como eram jogadas no século II a.C., acabaram sendo preservadas em uma tabuleta escrita por um rei escriba chamado Iti-Marduque-balatu. Baseado nessa tabuleta, e pelo formato do jogo de tabuleiro, o curador do Museu Britânico, Irving Finkel, reconstituiu as regras básicas de como deveria ser jogado. O objetivo é percorrer as casas do tabuleiro e retirar todas as peças antes do oponente. Como o moderno gamão, o jogo tem elementos de sorte e também de estratégia.

Uma versão em grafite do jogo encontrado no palácio de Sargão II (Museu Britânico de Londres).[2][3]
Tabuleiro de senet com vinte casas, 1635–1 458 a.C.

O Jogo Real de Ur foi popular no Oriente Médio. Tabuleiros foram encontrados no Irã, Síria, Egito, Líbano, Sri Lanka, Chipre e Creta.[2][3] Quatro deles foram encontrados na Tumba de Tutancâmon.[4] Tinham caixas pequenas para guardar os dados e as peças.[4] Muitos deles tinham tabuleiros de senet no lado inverso, com a ideia de que ambos os jogos pudessem ser jogados ao meramente virar o lado do objeto.[4] O jogo era popular entre todas as classes sociais.[3] Uma versão em grafite esculpido através de um objeto pontiagudo, possivelmente um punhal, foi descoberto em um dos portões da divindade tutelar Lamassu, no palácio de Sargão II, na cidade de Dur Sarruquim.[3][5]

O Jogo Real de Ur adquiriu significado supersticioso.[6][3] Na tabuleta de Iti-Marduque-balatu eram descritas previsões vagas sobre o futuro dos jogadores relacionadas às casas em que as peças eram jogadas.[6][3] Alguns exemplos: "você irá achar um amigo", "você irá se fortalecer como um leão" e "você irá adquirir boa cerveja".[6][3] Pessoas da época acreditavam em uma relação entre o sucesso do jogador e seu sucesso na vida real.[6][3] Eventos aleatórios, como as peças alcançando certas casas, eram interpretados como mensagens de deidades, fantasmas, ancestrais já falecidos ou da própria alma do jogador.[6]

Não é certo o que levou o jogo ao declínio, durante a Antiguidade Tardia.[6] Uma teoria sustenta que evoluiu para o gamão;[6] outra argumenta que as primeiras formas de gamão o superaram em popularidade, fazendo com que fosse esquecido.[6][3] Em algum momento, antes de cair em popularidade no Oriente Médio, foi aparentemente introduzido na cidade indiana de Cochim, por um grupo de mercadores judeus. Membros da comunidade judaica de Cochim continuaram jogando uma versão reconhecível do Jogo de Ur, a qual eles chamavam Aasha,[7] ainda durante o período em que começaram a emigrar para Israel, após a Segunda Guerra Mundial.[6][3] Na configuração de Cochim, o sistema também tinha vinte casas, como na mesopotâmica, porém cada jogador tinha doze peças em vez de sete, e o posicionamento das casas era ligeiramente diferente.[3]

Redescoberta moderna

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O arqueólogo britânico Leonard Woolley descobriu cinco tabuleiros do Jogo Real de Ur durante suas escavações no Cemitério Real de Ur, entre 1922 e 1934.[2][4][6] Como foi primeiramente descoberto no Cemitério de Ur, ficou conhecido como "Jogo Real de Ur", mas posteriormente outros arqueólogos desenterraram outras cópias, em diferentes localizações no Oriente Médio. Cada um dos tabuleiros descobertos por Woolley datam de cerca de 3 000 a.C.[2][4] Todos são do mesmo formato, mas são feitos de diferentes materiais e têm decorações diferentes.[2][4] Woolley reproduziu imagens de dois deles em seu livro de 1949, The First Phases.[2][4] Um desses é um set simples, com decoração composta por discos de concha de cor azul ou vermelha ao centro, em madeira coberta por asfalto.[2][4] O outro, mais elaborado, é coberto completamente por placas de conchas, incrustradas com calcário e lápis-lazúli.[2][4] Outros ainda, muitas vezes, têm gravuras de animais.[2][3][4]

Reconstituição

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Tabuleta contendo as regras do Jogo de Ur datada em cerca de 177 a.C. (Museu Britânico).[8]

No momento em que o Jogo de Ur foi descoberto, ninguém sabia como jogar.[9][6][4][2] Então, no início da década de 1980, Irving Finkel, um curador do Museu Britânico, traduziu uma tabuleta redigida por volta de 177 a.C., pelo escriba babilônico Iti-Marduque-balatu, que descrevia como se jogava naquele período, com base em uma descrição mais antiga das regras feita por outro escriba chamado Iddin-Bēl.[9][6] Foi escrita durante os tempos finais da civilização babilônica,[6] muito depois das primeiras experiências com o jogo,[4] e encontrada em 1880, nas ruínas da Babilônia, quando foi vendida para o Museu Britânico.[9] Finkel também usou fotografias de outra tabuleta com instruções, a qual estava na coleção pessoal de Count Aymar de Liedekerke-Beaufort, mas foi destruída durante a Primeira Guerra Mundial.[9] Esta segunda não tinha datação certa, mas os arqueólogos acreditaram que foi escrita vários séculos antes da de Iti-Marduque-balatu e era originária da cidade de Uruque.[9] Ao fundo de ambas as tabuletas, havia diagramas, mostrando minuciosamente qual jogo estava sendo descrito.[9][3] Com base nessas informações e no formato do tabuleiro, Finkel conseguiu recriar as regras.[9][4][6]

Regras básicas

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Possível direção a qual os jogadores deveriam jogar as peças até o fim do tabuleiro, com as casas "seguras" demonstradas em azul e as casas de "combate" demonstradas em verde.
Outro percurso teoricamente possível que torna o jogo mais longo.

O Jogo de Ur é um jogo de corrida,[9][4][6] provável ancestral de uma família de jogos populares até hoje, entre os quais se encontra o gamão.[4][6] Utiliza dois grupos de sete peças, parecidas com as de damas.[4] Um dos grupos é composto de peças brancas, com cinco pontos pretos, e o outro de pretas, com cinco pontos brancos.[4][2] O tabuleiro contém dois conjuntos retangulares de casas: um deles contendo três colunas de quatro fileiras e, o outro, três colunas de duas fileiras, ligados por uma coluna "estreita" de duas casas.[9] As regras do jogo envolvem tanto elementos de sorte como de estratégia.[4] Os movimentos são determinados ao lançar quatro dados de quatro lados cada.[4][2] Duas das faces desses dados são marcadas, e as outras duas não, havendo probabilidade equivalente de cada dado cair ou não com uma "face marcada" para cima.[4][2] O número de faces marcadas para cima indica por quantas casas um jogador poderá mover peças por turno.[9]

O objetivo do jogo é mover as sete peças ao longo do percurso (duas propostas desse percurso são mostradas na imagem adjacente) e removê-las do tabuleiro antes do oponente.[4] Em todos os tabuleiros encontrados, os dois lados eram idênticos, indicando que cada lado pertencia a um jogador.[2] Quando os jogadores têm peças nas casas do próprio lado, elas estão fora do alcance do oponente. Entretanto, quando estão em uma das oito casas no centro do tabuleiro, elas podem ser capturadas pelo adversário, resultando no retorno das peças para o local de início do percurso (fora do tabuleiro).[4] Isto significa que existem oito casas de "combate" e seis "seguras".[4] Nunca pode haver mais de uma peça na mesma casa. Logo, ter muitas delas no tabuleiro, simultaneamente, pode impedir a mobilidade do próprio jogador.[4]

Quando o jogador lança os dados, pode decidir mover qualquer peça sua pelo tabuleiro ou colocar outras mais em jogo, se ainda não estiverem em disputa.[4] Um jogador não precisa necessariamente fazer uma captura, cada vez que tiver uma oportunidade.[4] Entretanto, necessita mover alguma de suas peças sempre que for possível, ainda que isso resulte em uma posição desvantajosa.[4] Todos os tabuleiros disponíveis atualmente têm imagens de rosetas coloridas em algumas das casas.[2][9] Conforme a reconstituição de Finkel, quaisquer peças que estiverem nessas casas com rosetas estarão protegidas de serem capturadas. Finkel também afirma que quando uma peça cai em uma dessas rosetas, o jogador ganha um lançamento extra.[9] Para remover uma peça do tabuleiro no final do percurso, o jogador deve obter nos dados o número exato restante de casas no percurso mais um.[4] Se resultar em um número inferior ou superior, não é permitido remover a peça do tabuleiro.[4]

Uma escavação arqueológica desenterrou vinte e um potes brancos juntamente a um set do Jogo de Ur.[4] Boterman (2008) acredita que esses potes eram usados para colocar dinheiro apostado.[4] De acordo com a tabuleta de Iti-Marduque-balatu, quando uma de suas peças pulava alguma das casas com imagem de roseta, o jogador deveria colocar uma ficha no pote.[9] Por outro lado, quando uma das peças caía em uma casa com roseta, o jogador deveria pegar uma ficha do pote.[9]

Referências

  1. «game-board | British Museum». The British Museum (em inglês). Consultado em 18 de novembro de 2021 
  2. a b c d e f g h i j k l m n o Bell, Robert Charles (1979) [1960]. Board and table games from many civilizations Revised ed. Nova Iorque: Dover Publications. pp. 16, 17, 21, 25. ISBN 1306356377. OCLC 868966489 
  3. a b c d e f g h i j k l m Green, William (19 de junho de 2008). «Big Game Hunter». Time (em inglês). London. ISSN 0040-781X. Consultado em 31 de maio de 2018. Cópia arquivada em 25 maio de 2019 
  4. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z aa ab ac ad ae Botermans, Jack (2008). The book of games : strategy, tactics & history. Fankbonner, Edgar Loy. Nova Iorque: Sterling. pp. 712–20. ISBN 9781402742217. OCLC 86069181 
  5. Collon, Dominique (1 de julho de 2011). «Assyrian guardian figure». BBC History (em inglês). BBC. Consultado em 23 de setembro de 2019. Cópia arquivada em 13 de julho de 2007 
  6. a b c d e f g h i j k l m n o p Donovan, Tristan (2017). It's all a game : the history of board games from Monopoly to Settlers of Catan First ed. Nova Iorque: Thomas Dunne Books. pp. 13–16. ISBN 9781250082725. OCLC 960239246 
  7. S, Priyadershini (1 de outubro de 2015). «Traditional board games: From Kochi to Iraq». The Hindu. Consultado em 6 de julho de 2019. Cópia arquivada em 4 de outubro de 2015 – via www.thehindu.com 
  8. «tablet | British Museum» (em inglês). The British Museum. Consultado em 18 de novembro de 2021 
  9. a b c d e f g h i j k l m n Becker, Andrea (2007). «The Royal Game of Ur». In: Finkel, Irving. Ancient Board Games in Perspective: Papers from the 1990 British Museum Colloquium, with Additional Contributions. London, England: British Museum Press. 16 páginas. ISBN 9780714111537. OCLC 150371733 
  • O jogo real de UR (Superinteressante)
  • Botermans, Jack (1988). Le Monde des jeux. Paris: Le Chêne. ISBN 978-2851085122.
  • Finkel, Irving (2007), “On the Royal Game of Ur,” in Ancient Board Games in Perspective, ed. Irving Finkel. London: British Museum Press, pp. 16–32.
  • Finkel, Irving (1991). La tablette des régles du jeu royal d'Ur. Jouer dans l'Antiquité, Catalogue de l'Exposition. Marseille: Musée d'Archéologie Méditerranéenne.
  • Finkel, Irving (2005) [1995]. Games: Discover and Play Five Famous Ancient Games (3rd ed.). London: British Museum Press. ISBN 978-0714131122
  • Lhôte, Jean-Marie (1993). Histoire des jeux de société. Paris: Flammarion. ISBN 978-2080109293.

Ligações externas

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